Battle Royale é o único livro escrito pelo japonês Koushun Takami. Extremamente aclamado em seu país de origem além do resto do globo, Koushun faz um excelente trabalho quando o assunto é matança de jovens.
Em algum momento – não sabemos se é no futuro, passado ou nos dias atuais – o Japão se tornou um governo extremamente fechado, ditatorial e repressor. A cada ano uma classe de uma escola aleatória é mandada para uma carnificina entre os próprios alunos. O último sobrevivente receberá fama e dinheiro. A trama é simples e extremamente similar à de Jogos Vorazes, lembrando que Battle Royale foi lançado no Japão em 1999 enquanto Jogos Vorazes em 2009.
Battle Royale e Jogos Vorazes possuem semelhanças e temáticas tão parecidas que você achará que um copiou o outro. Adicione jovens se matando em um jogo doentio mais um regime totalitário e o resultado é o plot para ambos os livros. Mesmo assim, a autora de Jogos Vorazes foi esperta em destrinchar o único tema pouco explorado na obra de Koushun: o governo.
Antes de mais nada devemos saudar a Editora Globo por sua exímia qualidade no resultado do produto final. A arte da capa é espetacular, o interior do livro é repleto com mapa, índice de personagens, entre outros e para finalizar as páginas são feitas de um papel excelente. Não encontrei nenhum erro e a tradução está exemplar.
Você até pode achar que o livro seja mais um da lista feito para “jovens adultos”, mas se o fizer, você estará errado. O autor não parece se importar com as palavras que utiliza pois usa palavrões, descrições bem detalhadas de violência e sangue além de algumas referências sexuais. Embora possa parecer que utilizar a linguagem mais “vulgar” e menos esdrúxula para as cenas de morte é um meio para angariar leitores causando polêmica, essa técnica é usada como uma forma bruta da violência e apenas adiciona pontos ao escritor.
Koushun utiliza uma técnica que George R.R. Martin também usa de forma perfeita: dividir capítulos focando personagens com pouca ligação entre si. Na prática, se você está detestando o capítulo 6 que fala sobre o personagem X, pode ficar tranquilo que o próximo falará sobre o Z dando uma sensação de que todos irão se encaixar sem que eles fiquem incrivelmente focados ou que a narrativa fique tediosa demais.
Com a investida de Koushun à temática, além desse estilo de escrita onde ele não parece se importar com o leitor em medir suas palavras ou eufemizar as cenas de gore, o autor cria um texto que originalmente deveria ser só para ele até ser exposto para o mundo todo.
Embora os personagens não tenham me cativado muito, principalmente Noriko por sua falta de carisma e o uso excessivo do estereótipo que temos de meninas japonesas, Koushun consegue inverter toda a situação com o uso do personagem Shogo Kawada e seu “mistério” durante o livro todo, sendo um garoto bastante recluso e violento.
Os vilões são interessantes porque não parecem vilões. Eles estão lá para sobreviver e todo mundo é seu rival. Mistuko Souma é a antagonista mais interessante, embora não seja a principal. Ela consegue ser sexy, frágil e habilidosa com as palavras para então virar e matar todos à sua volta.
A história é interessantíssima, os personagens são legais e as cenas de ação espetaculares são os pontos mais altos do livro, guiando o leitor sempre para mais, mortes e carnificina, além de mostrar jovens de um jeito muito diferente do que o habitual.
Talvez adicionar tantos personagens não tenha sido uma boa ideia. São 42 alunos, mais outros personagens de menor importância e isso acaba deixando o leitor confuso diversas vezes. Os nomes japoneses são, na sua maioria, compostos por sílabas simples – consoante mais vogal – e você se pegará voltando no livro ao índice de nomes para tentar lembrar quem aquele personagem é. Sabendo disso, tanto Koushun quanto a editora colocaram os estudantes com números designados, como na lista de chamada de qualquer escola. Uma escolha surpreendentemente astuta e útil.
Dentre os problemas na narrativa, particularmente, encontrei dois que me irritaram muito. O uso excessivo de amores platônicos e também como o autor corre com o texto em determinado momento, usando de uma matança sem sentido e lógica para eliminar personagens.
Quase todas as garotas gostam de alguém em segredo, como se o estereótipo japonês já não fosse demasiadamente conhecido por sua timidez e rubores quando o assunto é romance. Em seus leitos de morte as garotas conseguem ficar pensando em como deveriam ter se declarado para o personagem X ou Y. E isso é repetido do início ao fim.
Se isso já não fosse um artifício chato, Koushun usa de outro para tentar liquidar personagens para que o livro “ande” mais rapidamente. Em certo período do livro, há um certo grupo de alunos juntos. Você percebe que as páginas do livro estão se esgotando, mas os personagens continuam a viver e você fica com a impressão de que o romance acabará abruptamente dentro de algumas dezenas de páginas. E acredito que foi exatamente isso que o autor pensou também e resolveu “apressar” as coisas da pior maneira possível: criando um caos irreal que destrói a imersão do leitor.
Tirando esses defeitos que tiram a sensação de realidade, Battle Royale faz um trabalho espetacular quando o assunto é tensão e ação, criando um mix perfeito entre os dois sem nunca deixar o leitor na mão. Com um final sensacional que te fará pensar bastante e xingar algumas pessoas e personagens, a obra nipônica é um ícone quando o assunto é literatura internacional.
Se você é daqueles que achou Jogos Vorazes poderia ter um pouco mais de violência ou até uma descrição melhor do assunto, ou até ter detestado a trama política da série, não se preocupe! Battle Royale foi feito exatamente para você, caro leitor.
Prós:
– Excelente estrutura narrativa
– História não convencional
– Plot Twist fascinante
– Livro físico de altíssima qualidade
Contras:
– Artifícios para agilizar a trama
– Estereótipo japonês
Editora Globo 664 páginas 2014