O Sorriso da Hiena é o romance de estreia de Gustavo Ávila. Publicitário por natureza, Gustavo parece ter encontrado um tempo livre para se dedicar à literatura.
Como enredo, o livro narra as aventuras de dois personagens centrais bastante distintos. William, um psicólogo infantil, que cuida de crianças de todos os tipos: traumatizadas por coisas horríveis, abandono e até por conta de divórcio dos pais. De longe ele é o personagem mais interessante e mais bem desenvolvido.
Do outro lado temos Artur, um policial com Síndrome de Asperger, extremamente lógico, racional e atencioso. Embora seu desenvolvimento seja muito inferior, Artur é um personagem carismático, porém caricato demais.
Uma série de assassinatos ocorre na cidade com requintes de crueldade. Neles, há sempre um padrão bastante específico onde o matador coloca uma família para morrer. Duas cadeiras ficam ocupadas pelos pais enquanto outra cadeira de frente tem o filho da vítima como ocupante. O assassino corta a língua do pai, deixando-o para morrer sufocado e mata a mãe com um tiro na cabeça. A criança é deixada onde está.
Dentro desse cenário encontramos tanto Artur quanto William. O psicólogo é famoso por uma tese chamada “Como se formam os adultos” onde ele tenta explicar as faces mentais das crianças e como todo o contexto de índole é criado. A partir daí o William começa a receber e-mails do assassino tentando envolvê-lo em um jogo perigoso. O assassino continuará matando e o psicólogo continuará clinicando as crianças sobreviventes, assim ele terá “cobaias” suficientes para comprovar sua tese e assim, preencher seu ego. Artur entra no meio de tudo tentando capturar o assassino em série. O assassino, David, teve os pais mortos da mesma maneira e usa isso como metodologia padrão para as cobaias de William que acabam por ser suas cobaias também.
A trama é interessantíssima, bem explorada e agradável. Embora a justificativa para William concordar com as atitudes de David nunca me foi aceita – não sei se todos irão aceitar ou não – quebrando bastante a imersão que o livro deveria ter criado. Há subplots por todos os lados, o que dá a sensação de que o livro não é centrado em algo específico, enriquecendo a obra. Meu personagem favorito, a Bete, acabou por ser uma subtrama bastante interessante.
Meu maior ponto contra o livro é em relação à escrita. Sofrível no início e amadora no resto. O autor usa de longos parágrafos para explicar coisas do passado parecendo mais um TCC do que um livro de narrativa fluída. Com o tempo as coisas melhoram um pouco, mas essa necessidade de ser teórico com quase tudo é cansativa e problemática. Tudo uma questão de prática. Os diálogos são levemente engessados e genéricos, mas a trama não usa deles como alicerce para a obra.
Não sei se foi intencional ou não, mas a atmosfera me lembrou muito Heavy Rain – jogo produzido pela Quantic Dream e lançado para o console PlayStation 3 -, onde o ponto de vista do herói e vilão quase sempre é explorado de todos os lados. Temos o vilão conversando com William e Artur juntando os cacos da investigação.
Outro ponto a ser aclamado é com relação ao preço da obra. Diante de crimes hediondos como livros digitais custando mais do que os próprios livros físicos, Gustavo decide lançar o livro digital com um preço interessantíssimo. É de se aplaudir quem tem coragem para bater de frente com editoras que lançam os livros com valores absurdos e o autor opta por ser mais sensato e inteligente em precificar justamente seu livro. Embora haja versão física – vendida apenas pelo site do próprio autor -, a digital não me deixou em momento nenhum decepcionado. Não encontrei nenhum erro de português. Enquanto outras editoras lançam seus livros com dezenas de erros gramaticais, Ávila conseguiu fazer um trabalho excelente com isso.
Enquanto a trama segura o leitor e a ideia de zapear por entre os personagens é agradável, senti falta de uma maior dinâmica e desenvolvimento entre William e sua namorada. Desde o início ela me pareceu descartável, mal se envolve na trama e não há espaço para ela se desenvolver de forma correta. Além disso, o plot twist não foi à altura do que eu esperava, criando em mim uma sensação de um livro que poderia ter sido bem mais.
Tirando os tropeços, O Sorriso da Hiena é um thriller policial comparado com os thrillers que temos no mercado internacional. Não é uma obra-prima, mas certamente irá entreter quem buscar por uma história mais densa e interessante, diferente do que temos por todos os lados.
Prós:
– Trama interessante
– Subtramas enriquecedoras
Contras:
– Escrita ruim
– Personagens caricatos
229 Páginas 2015
Ótima crítica!