Com o filme Se a Rua Beale Falasse indicado a diversos prêmios neste ano, seria difícil não se interessar pela publicação da obra original, um livro de 1974 escrito por James Baldwin. Assim, a Companhia das Letras aproveitou que já obtinha o direito desta obra – e de outras do próprio autor – e decidiu lançar no começo de 2019 a versão literária do filme aclamado pela crítica.
Aqui, assim como no filme, temos a narrativa em primeira pessoa por Tish, uma jovem de dezenove anos que vê o noivo ser acusado por um crime que não cometeu. Além dela, temos diversos personagens que circundam a trama, desde parentes de ambas famílias, até a própria vítima do crime.
Para aqueles que estão desejando aventurar na trama com a intenção de encontrar um romance policial, saiba que Se a Rua Beale Falasse não é uma trama baseada em denúncias, acusações e advogados, mas sim uma história que tenta a todo custo mostrar como os negros eram – e ainda são – tratados quando adentravam espaços “de branco”.
Jame Baldwin era um homem negro e gay que acabou se exilando dos Estados Unidos em busca de um país onde ele não fosse tão discriminado. Acabou morando na França quase durante toda sua vida adulta onde também morreu. Muito ligado aos movimentos de direitos civis, Baldwin expunha em seus trabalhos não só as condições negras mas também seu romance icônico Quarto de Giovanni lançado em 1956 que conta a história de dois homens que se apaixonam em Paris.
Enquanto extremamente ativista em sua vida, em Se a Rua Beale Falasse ele tenta trazer os fatos sem que pareçam forçados demais ou estando ali apenas como pretexto. Muito pelo contrário, durante toda a obra notamos como ele mistura sua escrita com pitadas de sua própria realidade e, embora o fato de nem sempre nos darmos conta de que estamos falando de uma história com personagens negros, Baldwin faz questão de mostrar o abismo que existia na época entre os universos branco e negro.
Além de uma escrita envolvente e às vezes simples, Baldwin nunca parece apressar nada ou criar cenas que nos impactem sem propósito. O enredo pode parecer monótono e até um pouco contraditório para aqueles que desejam algo mais ligado ao gênero policial, mas James faz questão de deixar claro que estamos vendo as reações ligadas ao lado de Trish e como lidar com um noivo preso sem que uma solução pareça ser possível.
Embora hoje possamos pensar que essas histórias não fazem mais sentido ou até o surrealismo que ela transborda, não podemos esquecer que Baldwin se baseou em uma história real de um amigo que foi preso justamente por sua cor.
Além da obra, a editora Companhia das Letras aproveitou para inserir quase trinta páginas escritas por Márcio Macedo dividas em duas partes: uma tratando não só da importância do livro mas também suas questões na atualidade, e, na outra, nos contando um pouco mais sobre a vida de James Baldwin.
Diferente do que estamos acostumados a ler, Se a Rua Beale Falasse não é um livro policial, mas sim uma obra sobre como as vidas das pessoas são afetadas quando uma injustiça acontece, como a população negra sofreu – e ainda sofre – em mãos de uma polícia racista e como para ser racista não é preciso que você seja a personificação do mal. Baldwin escreve de maneira simples mas ao mesmo tempo intensa nesse romance que busca humanizar e nos abrir os olhos para uma realidade que às vezes não conseguimos ver.
Prós
– Escrita
– Trama Diferente
Editora Companhia das Letras 223 páginas 2019