Talvez o último longa-metragem dos Estúdios Ghibli a agraciar nossas telonas, “When Marnie Was There” é uma adaptação do livro britânico homônimo escrito por Joan G. Robinson e o segundo filme dirigido por Hiromasa Yonebayashi (o mesmo de “O Mundo dos Pequeninos”).
Lançado originalmente em Julho de 2014 no Japão, um grande peso foi posto nas costas de “Marnie” antes mesmo de a ideia do longa se desenvolver. Com a saída de Hayao Myiazaki dos estúdios Ghibli e o afastamento de Isao Takahata (“O Conto da Princesa Kaguya“, que continua atrelado ao estúdio), o público japonês (e, por que não, do resto do mundo) se perguntava o que seria da empresa sem a genialidade daquele que nos trouxe filmes como “A Viagem de Chihiro” e “Meu Amigo Totoro”. Sem alternativas, o estúdio teve que recorrer para seus talentos mais jovens e é aí que entra Yonebayashi que, apesar de ter tido seu primeiro longa supervisionado pelo próprio Miyiazaki com “O Mundo dos Pequeninos”, ele agora segue totalmente solo, fazendo de “When Marnie Was There” o primeiro filme a não carregar o nome do famigerado diretor de “Chihiro” em qualquer forma, apoiando-se somente sobre suas próprias pernas. E qual foi o resultado?
Antes de entramos no mérito de analisar o retorno financeiro de “Marnie” para o estúdio, vamos falar do resultado obtido com o longa em si.
O mundo dos desenhos animados já está ficando acostumado com meninas sendo as estrelas de suas próprias histórias e não mais sendo peças nas artimanhas de grandes feiticeiras ou prêmios para “o corajoso príncipe que desbravar algum antigo mistério do reino“. O grande epítome disso sendo, talvez, “Frozen – Uma Aventura Congelante”, com Elsa e Anna sendo as verdadeiras protagonistas e heroínas, relegando seus interesses amorosos a justamente isso. Em “When Marnie Was There” também somos apresentados a uma menina chamada Anna; uma menina que se sente sozinha, não gosta de sua aparência, não se acha agradável e nem talentosa. Anna odeia a si mesma. A outra menina pode não se chamar Elsa e lançar poderes de gelo, mas é uma jovem loura de profundos olhos azuis e uma história mais misteriosa e profunda ainda. O nome desta é Marnie, e é ela quem dá o título desta obra.
Quando Anna sofre um ataque de asma e é encaminhada ao médico, ele recomenda que a menina se afaste da cidade por alguns dias e encontre um lugar com ar puro, pois esse é o principal agravante de sua doença. A princípio Anna não parece simpática à ideia de sair de casa. Na realidade, Anna parece apática com absolutamente tudo e todos, mas, sem muitas opções, ela acaba topando a ideia de sua mãe-adotiva de passar um tempo na casa de uns parentes que moram no interior.
A interação de Anna com os personagens e cenários é extremamente meticulosa, você percebe perfeitamente quando ela está forçando alguma emoção ou quando ela está sendo genuína em seus sentimentos enquanto o filme decorre. E, falando em meticulosidade e atenção a detalhes, faço aqui uma tangente para chamar atenção à qualidade da animação e principalmente dos cenários hiper-realistas. Um verdadeiro banquete para os olhos.
Eventualmente Anna conhece Marnie, uma menina estrangeira que é o oposto dela em quase tudo – ao ponto de Anna confessar em determinado momento que “queria ser Marnie”. Mas Marnie não é tudo o que aparenta ser, e descobrir exatamente quem ela é faz parte do mistério e da diversão de “When Marnie Was There”, apesar disso não ser exatamente o foco do longa de Yonebayashi.
Assim como em “O Mundo dos Pequeninos”, Yonebayashi se apoia e mantém seu foco na história de dois protagonistas que não enfrentam um vilão claro, mas mudam a vida um do outro para sempre. Essa narrativa um pouco mais intimista e menos fantasiosa e fantástica é o que o diferencia de Isao e Miyazaki, mas não se engane; existem fantasia e coisas fantásticas na obra do diretor, ele apenas as aborda com maior sutileza, quase que convergindo sonho e realidade, como se o fantástico fosse comum no mundo que ele retrata, assim como vimos em “O Mundo dos Pequeninos”.
Marnie e Anna criam uma amizade profunda muito rapidamente, com Marnie agindo como se já esperasse a menina aparecer em sua vida em algum momento e Anna se perguntando como ela poderia ter sonhado com Marnie antes mesmo de conhecê-la. Ver a interação de ambas e como elas mudam uma a outra é extremamente gratificante e acaba não existindo espaço para interesses amorosos muito elaborados, mas eles – sutilmente – estão lá.
Entristece-me o fato do filme não ter tido um sucesso comercial tão grandioso, marcando aqui a principal (e crucial) falha do longa para com o estúdio Ghibli. Sem muito futuro a vista com a aposentadoria de Hayao Miyazaki, a companhia depositou todas as suas fichas em “Marnie”, e apesar de terem reconhecido o longa-metragem com uma boa margem de lucro (cerca de $38 milhões de dólares somente no Japão), em nada se compara a filmes como o próprio “O Mundo dos Pequeninos” que passou a margem dos $100 milhões de dólares mundo a fora. Por esse motivo, o estúdio Ghibli anunciou que “When Marnie Was There” seria – provavelmente – seu último filme, embora oficialmente ele ainda esteja funcionando, mas com projetos menores e terceirizados. Uma pena para fãs do estúdio que agraciou os cinemas com tantas belas obras, “When Marnie Was There”, sem dúvida alguma, sendo mais uma delas.
A estreia nos E.U.A. está programada para o dia 22 de Maio, distribuído pela Walt Disney, com um elenco de dublagem de primeira. Aqui ficam meus votos para que a bilheteria estrangeira sirva para mudar a ideia dos Estúdios Ghibli.
Ficha Técnica
Omoide no Marnie
Duração: 103 minutos
Gênero: Animação, Drama
Direção: Hiromasa Yonebayashi
Roteiro: Keiko Niwa
Elenco: Sara Takatsuki (Anna), Kasumi Arimura (Marnie)
Esse filme é maravilhoso, assisti não dando nada e terminei com um sorriso de encantamento. Espero que o estúdio Ghibli continue nos presenteando com essas obras magníficas.